No Kiosk dos jornais
- Traz um terço, mas tem de pagar à parte.
-'Tá, obrigadinha.
E a senhora virou costas.
A entrevista do Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Rui Nuno Baleiras, ao DN-Negócios de 4 de Julho foi centrada no financiamento dos municípios. "Entre 1990 e 1996 a despesa pública local cresceu 35%, mas entre 1997 [1996?...] e 2001 o crescimento já foi de 52%. Entre 1996 e 2001 o PIB real cresceu 19%, enquanto a despesa local cresceu 52%. Ora não é sustentável durante um período longo, uma divergência tão grande".
O Secretário de Estado salienta que o cumprimento escrupuloso das regras actuais do endividamento a médio e longo prazo dos municípios pode conduzir a uma falência técnica dos municípios. E advoga a criação de um imposto local, baseado numa derrama sobre o IRS, por exemplo entre zero e oito por cento desse imposto, a definir pela Assembleia Municipal, com uma redução da transferência do Estado para esse município cifrada num valor intermédio, digamos de cinco por cento.
Este novo imposto local obrigaria os autarcas a escolherem entre diferentes combinações despesa-imposto, não podendo oferecer uma política (despesa) municipal incompatível com as receitas a obter. Para obterem o mesmo financiamento municipal anterior à introdução do imposto local, as assembleias municipais teriam de dar a cara, pedido uma derrama de cinco por cento. Ao mesmo tempo que no Orçamento de Estado (OE) se reduziriam as transferências para os municípios e os contribuintes pagariam mais IRS.
Aposto que os municípios encontrariam boas razões para justificar derramas elevadas. O Governo lavaria as mãos do problema, encaixando até uma poupança no OE - é só lucro! O governante acena ainda uma facilidade despesista, com base no Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI), ao defender a reavaliação dos prédios rústicos: "Um prédio rústico paga três ou quatro euros de IMI. Quanto pagam as pessoas das cidades? Há décadas qu não se mexe nisto, e há um enorme potencial de receita por explorar. A maioria dos 308 municípios são do interior, e para eles as propriedades urbanas não dão nada, só o IMI sobre os prédios rústicos poderia dar." Há um "enorme potencial de receita por explorar"!...
Ao observar transversalmente a entrevista verifica-se uma grande ausência. Arranjar airosamente mais maneiras de conseguir verbas para os municípios, aligeirando o OE e sobrecarregando os contribuintes, não me parece o fundamental, sobretudo numa época em que os recursos financeiros escasseiam e em que os contribuintes já são penalizados com uma carga fiscal crescente. Importante, acho eu, era sentir um pensamento oficial sobre o que é um município bem gerido. Já estamos todos a perceber que construir rotundas a eito não ajuda por aí além. E então? O que é realmente importante fazer nos municípios? Que acções implementará o Governo para incentivar uma boa governação das câmaras?
A participação de Portugal na União Económica e Monetária e a adopção do Euro trouxe diversas vantagens. Mas não se assiste a uma espécie de "condominização" da economia e da sociedade?
O Escudo desapareceu no 1º de Janeiro de 1999, quando foi fixada a taxa de câmbio definitiva de 1€=200$482. Esse momento coroou uma década de utilização desinflacionista da política cambial. O desaparecimento do Escudo significou o fim do risco cambial com os nossos principais parceiros externos - que podia ser gerido através de instrumentos financeiros, numa actividade utilizadora de recursos que, vantajosamente, pôde ser suprimida. Retirámos benefícios da política desinflacionista prosseguida, em particular com a redução do valor nominal e real das taxas de juro. As famílias puderam endividar-se a menores custos, dilatando mais facilmente no tempo a amortização dos empréstimos. Conhecemos a história: o parque automóvel melhorou e o imobiliário - um sector protegido da concorrência estrangeira - floresceu.
E o resto da economia? Os produtores nacionais perdem quotas de mercado. O défice da BTC avoluma-se - e isso só é remotamente um problema porque liquidamos o défice externo com a nossa moeda. Não somos competitivos. E não podemos alterar a taxa de câmbio.
No Jornal Público lemos hoje (Mário Barros, "Portos espanhóis começam a ser alternativa aos portugueses") que "A quantidade de embarcações portuguesas que nos últimos dois a três anos prefere descarregar a sardinha em portos espanhóis do que em portos nacionais tem vindo a aumentar. O alerta foi dado por Humberto Jorge, da associação de produtores de Peniche Opcentro, para quem os barcos de médio porte dispõem de melhores serviços e de gasóleo mais barato na Galiza ou na Andaluzia. "É toda a a fileira [sectorial] a montante e a jusante a sofrer as consequências"".
O Escudo permitiria minorar este problema. A desvalorização do Escudo arrastaria um encarecimento automático dos serviços e gasóleo espanhóis. Claro que esta não é a melhor solução. A melhor solução (e foi esta que colectivamente escolhemos ao adoptar o Euro!) será a de termos serviços e preços em linha com os nossos concorrentes.
A desvalorização da moeda permitia esconder as ineficiências. Se os nossos portos são beras, uma moeda desvalorizada torna proibitivos os estrangeiros. E a desvalorização da moeda socializava a ineficiência. Quando a moeda se desvalorizava, todos os nossos activos perdiam valor.
António Barreto escreve hoje no Jornal Público ("Como é possível?…") "Certo. O povo tem responsabilidades [nas actuais dificuldades]. Mas a verdade é que há quem tenha mais. A elite política e empresarial, pois claro! E a elite intelectual e universitária, sem dúvida. É a elite que organiza e inspira. Em teoria, as elites servem para isso: dirigir. Não para tornar o povo mais fraco, mas para dar o exemplo, para "puxar para cima". Não para serem elas próprias parasitas e complacentes, mas para melhorar os outros. Ora, as elites portuguesas não cumprem os seus deveres. Não só porque não protestam e não criticam. Mas também no desperdício e na demagogia. E porque, finalmente, são parasitas. A elite portuguesa é geralmente predadora e ignorante. Ainda na fase da "acumulação primitiva", tem um interesse predominante: usar o Estado. Pretende fazer deste sua criada de servir, sua tesouraria privada, a força de choque dos seus interesses e sua protecção e seguro de vida."
E, cereja em cima do bolo, o Euro favorece as elites.