sábado, julho 30, 2005

No Kiosk dos jornais

- Diga-me, o que oferece a revista Nova Gente hoje?
- Traz um terço, mas tem de pagar à parte.
-'Tá, obrigadinha.
E a senhora virou costas.

quarta-feira, julho 27, 2005

A psicologia das multidões - Gustave le Bon (II)

Retomo algumas citações d' "A psicologia das multidões", num momento da nossa vida colectiva em que a discussão das opções do investimento público quase desapareceu, tendo substituída pela análise das candidaturas presidenciais, que ainda perduram como hipotéticas. Baseio-me novamente na 2ª edição revista e anotada pelo tradutor Agostinho Fortes, em edição da Tipografia de Francisco Luiz Gonçalves, de 1909.

Não é necessário que a multidão seja numerosa para ser destruída a faculdade de ver correctamente o que diante dela se passa e para os factos reais serem substituídos por alucinações que nenhumas relações com eles tenham. Logo que alguns indivíduos estejam reunidos, constituem multidão, e, muito embora esses indivíduos sejam sábios ilustres, a verdade é que toma todos os caracteres das multidões, em tudo quanto esteja fora dos limites da sua especialidade. A faculdade de observação e o espírito crítico de cada um deles é dotado, apagam-se imediatamente. (p.30)

A violência dos sentimentos das multidões é principalmente ainda exagerada nas multidões heterogéneas pela ausência de responsabilidade. A certeza da impunidade, tanto mais forte quanto mais numerosa é a multidão, e a noção dum considerável poder momentâneo, devido ao número, tornam possíveis à colectividade sentimentos e actos que para o indivíduo isolado são impossíveis. Nas multidões, o ignorante, o imbecil e o invejoso estão libertos do sentimento da sua nulidade e da sua incapacidade, sentimento este que é substituído pela noção duma força brutal, passageira mas imensa. (p. 36)

As multidões respeitam docilmente a força e são mediocremente impressionadas pela bondade que para elas só representa uma forma de fraqueza. As simpatias das multidões nunca vão para os senhores bonachões, mas para os tiranos que vigorosamente as hajam esmagado. A estes é que elas erigem as mais elevadas estátuas; quando de boamente pisam o déspota derrubado, fazem-no porque, havendo ele perdido a força, reentrou na categoria dos fracos que se desprezam por já se não temerem. O tipo do herói querido para as multidões há-de ter sempre a estrutura dum César que as seduz com o flamante penacho, se impõe pela autoridade e as atemoriza com o sabre.
Sempre pronta a levantar-se contra uma autoridade fraca, a multidão, curva-se com servilismo diante duma autoridade forte. (p.40)

É de difícil compreensão da história, principalmente a das revoluções populares, quando não tenhamos em consideração os instintos profundamente conservadores das multidões. Elas bem querem mudar os nomes das suas instituições fazendo, por vezes, até violentas revoluções para alcançarem essas mudanças; mas o fundo dessas instituições é por tal forma a expressão das necessidades hereditárias da raça que, na realidade, voltam sempre à mesma. (p. 41)

A multidão é capaz, como se sabe, de assassinar; incendiar e praticar todos os crimes, é contudo capaz também de actos de dedicação, sacrifício, e desinteresse muito elevados, mais elevados até do que aqueles que é capaz o indivíduo isolado. É, principalmente, sobre o indivíduo em multidão que se actua e muitas vezes até o ponto de obter-se dele o sacrifício da vida, invocando sentimentos de glória, honra, religião e pátria. (p.43)

terça-feira, julho 26, 2005

Presidenciais de 2006

Será que a candidatura do Dr. Mário Soares às presidenciais de 2006 aumenta a probabilidade de eleição do Prof. Cavaco Silva?

quinta-feira, julho 21, 2005

Os elefantes brancos

A saída do Ministro Luís Campos e Cunha parece ter sido provocada pelo receio de implementar projectos de investimento público sem rendibilidade. Uma pergunta estúpida: O TGV, ao ligar o país à rede europeia de alta velocidade ferroviária não roubará clientes ao transporte aéreo? Uma ligação TGV Lisboa-Madrid e a utilização dos aeroportos de Alverca e Tires pelas transportadoras de low cost talvez chegassem...

terça-feira, julho 19, 2005

A psicologia das multidões - Gustave Le Bon

A obra clássica de Gustave Le Bon foi recentemente reeditada (agora chama-se " Psicologia das Massas", pela Ésquilo - Edições e Multimédia). Seguem-se algumas citações da 2ª edição revista e anotada pelo tradutor Agostinho Fortes, em edição da Tipografia de Francisco Luiz Gonçalves, de 1909:

Mil indivíduos, acidentalmente reunidos numa praça pública, sem nenhum determinado objectivo, de nenhum modo constituem psicologicamente uma multidão. Para que a fossem, para lhe adquirirem os caracteres especiais, seria necessária a acção de certos excitantes, cuja natureza vamos determinar. (p. 12.)

Diversas são as causas que determinam a aparição dos caracteres especiais das multidões, que os indivíduos isolados não possuem. A primeira é o facto do indivíduo em multidão adquirir, apenas pela qualidade, um sentimento de poder invencível, que lhe permite o ceder a instintos que, estando isolado, forçosamente teria refreado. E tanto menos os refreará quanto, sendo anónima a multidão e, portanto, irresponsável, o sentimento da responsabilidade, que sempre retém os indivíduos, mais for desaparecendo, até desaparecer de todo.

A segunda causa, o contágio, igualmente intervém na determinação das multidões para estas manifestarem caracteres especiais e ao mesmo tempo a sua orientação. O contágio é um fenómeno de fácil verificação, mas ainda não explicado, que devemos relacionar com os fenómenos de ordem hipnótica que rapidamente estudaremos. Numa multidão, todos os sentimentos, todos os actos, são contagiosos e por tal forma que o indivíduo sacrifica muito facilmente o seu interesse pessoal ao interesse colectivo. Há nisto uma aptidão muito contrária à sua índole e de que o homem é absolutamente incapaz, quando não faça parte da multidão.

A terceira causa, e esta é a mais importante, a sugestibilidade, determina que nos indivíduos em multidão carácteres especiais, por vezes absolutamente contrários aos do indivíduo isolado. O contágio a que já nos referimos não é mais do que resultado da sugestibilidade. (...) Sabe-se hoje que, por variados processos, um indivíduo pode ser posto em estado tal que , havendo perdido toda a sua personalidade consciente, obedeça a todas as sugestões do operador que lhe haja feito perder a personalidade, praticando esse indivíduo os actos mais antagonicos à sua índole e aos seus hábitos. (...) A personalidade consciente desvaneceu-se completamente, a vontade e o discernimento perderam-se. (p.17, 18; sublinhados meus.)

E agora uma observação inaceitável (!):

Notar-se-à que, entre os caracteres especiais das multidões, alguns há, como a impulsividade, a incapacidade de raciocinar, a ausência de juízos e de espírito crítico, o exagero dos sentimentos e ainda outros, que igualmente se observam nos seres pertencentes a espécies inferiores da evolução, como são a mulher, o selvagem e a criança. (p.23.)

segunda-feira, julho 18, 2005

Perplexidades regionais

A entrevista do Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Rui Nuno Baleiras, ao DN-Negócios de 4 de Julho foi centrada no financiamento dos municípios. "Entre 1990 e 1996 a despesa pública local cresceu 35%, mas entre 1997 [1996?...] e 2001 o crescimento já foi de 52%. Entre 1996 e 2001 o PIB real cresceu 19%, enquanto a despesa local cresceu 52%. Ora não é sustentável durante um período longo, uma divergência tão grande".

O Secretário de Estado salienta que o cumprimento escrupuloso das regras actuais do endividamento a médio e longo prazo dos municípios pode conduzir a uma falência técnica dos municípios. E advoga a criação de um imposto local, baseado numa derrama sobre o IRS, por exemplo entre zero e oito por cento desse imposto, a definir pela Assembleia Municipal, com uma redução da transferência do Estado para esse município cifrada num valor intermédio, digamos de cinco por cento.

Este novo imposto local obrigaria os autarcas a escolherem entre diferentes combinações despesa-imposto, não podendo oferecer uma política (despesa) municipal incompatível com as receitas a obter. Para obterem o mesmo financiamento municipal anterior à introdução do imposto local, as assembleias municipais teriam de dar a cara, pedido uma derrama de cinco por cento. Ao mesmo tempo que no Orçamento de Estado (OE) se reduziriam as transferências para os municípios e os contribuintes pagariam mais IRS.

Aposto que os municípios encontrariam boas razões para justificar derramas elevadas. O Governo lavaria as mãos do problema, encaixando até uma poupança no OE - é só lucro! O governante acena ainda uma facilidade despesista, com base no Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI), ao defender a reavaliação dos prédios rústicos: "Um prédio rústico paga três ou quatro euros de IMI. Quanto pagam as pessoas das cidades? Há décadas qu não se mexe nisto, e há um enorme potencial de receita por explorar. A maioria dos 308 municípios são do interior, e para eles as propriedades urbanas não dão nada, só o IMI sobre os prédios rústicos poderia dar." Há um "enorme potencial de receita por explorar"!...

Ao observar transversalmente a entrevista verifica-se uma grande ausência. Arranjar airosamente mais maneiras de conseguir verbas para os municípios, aligeirando o OE e sobrecarregando os contribuintes, não me parece o fundamental, sobretudo numa época em que os recursos financeiros escasseiam e em que os contribuintes já são penalizados com uma carga fiscal crescente. Importante, acho eu, era sentir um pensamento oficial sobre o que é um município bem gerido. Já estamos todos a perceber que construir rotundas a eito não ajuda por aí além. E então? O que é realmente importante fazer nos municípios? Que acções implementará o Governo para incentivar uma boa governação das câmaras?

"Sou homem, mas..."

No porto de Peniche um casal estava num carro estacionado, janelas abertas para deixar entrar o ar fresco revigorante do fim da tarde. Passo junto e ouço "sou homem mas não sou de ferro". A mulher tinha um ar circunspecto.

segunda-feira, julho 11, 2005

A Philips em Portugal

A multinacional holandesa tem reduzido a produção na fábrica de Ovar, tendo passado o número de trabalhadores de 3500 (em 1998), para 2200 em 2002 e agora para 550. A empresa diminui a produção em Portugal mas espera aumentar a facturação no nosso país, que rondou os 140 milhões de euros o ano passado. A Philips aposta na concepção e desenvolvimento de produtos, em detrimento da produção que é feita mais concorrencialmente nos países do Leste e da Ásia. (Artigo de Sara Dias Oliveira, "Ascensão e queda da actividade industrial da Philips em Portugal", Suplemento de Economia do Jornal Público de hoje.)

domingo, julho 03, 2005

O Euro e a "condominização" da economia

A participação de Portugal na União Económica e Monetária e a adopção do Euro trouxe diversas vantagens. Mas não se assiste a uma espécie de "condominização" da economia e da sociedade?

O Escudo desapareceu no 1º de Janeiro de 1999, quando foi fixada a taxa de câmbio definitiva de 1€=200$482. Esse momento coroou uma década de utilização desinflacionista da política cambial. O desaparecimento do Escudo significou o fim do risco cambial com os nossos principais parceiros externos - que podia ser gerido através de instrumentos financeiros, numa actividade utilizadora de recursos que, vantajosamente, pôde ser suprimida. Retirámos benefícios da política desinflacionista prosseguida, em particular com a redução do valor nominal e real das taxas de juro. As famílias puderam endividar-se a menores custos, dilatando mais facilmente no tempo a amortização dos empréstimos. Conhecemos a história: o parque automóvel melhorou e o imobiliário - um sector protegido da concorrência estrangeira - floresceu.

E o resto da economia? Os produtores nacionais perdem quotas de mercado. O défice da BTC avoluma-se - e isso só é remotamente um problema porque liquidamos o défice externo com a nossa moeda. Não somos competitivos. E não podemos alterar a taxa de câmbio.

No Jornal Público lemos hoje (Mário Barros, "Portos espanhóis começam a ser alternativa aos portugueses") que "A quantidade de embarcações portuguesas que nos últimos dois a três anos prefere descarregar a sardinha em portos espanhóis do que em portos nacionais tem vindo a aumentar. O alerta foi dado por Humberto Jorge, da associação de produtores de Peniche Opcentro, para quem os barcos de médio porte dispõem de melhores serviços e de gasóleo mais barato na Galiza ou na Andaluzia. "É toda a a fileira [sectorial] a montante e a jusante a sofrer as consequências"".

O Escudo permitiria minorar este problema. A desvalorização do Escudo arrastaria um encarecimento automático dos serviços e gasóleo espanhóis. Claro que esta não é a melhor solução. A melhor solução (e foi esta que colectivamente escolhemos ao adoptar o Euro!) será a de termos serviços e preços em linha com os nossos concorrentes.

A desvalorização da moeda permitia esconder as ineficiências. Se os nossos portos são beras, uma moeda desvalorizada torna proibitivos os estrangeiros. E a desvalorização da moeda socializava a ineficiência. Quando a moeda se desvalorizava, todos os nossos activos perdiam valor.

António Barreto escreve hoje no Jornal Público ("Como é possível?…") "Certo. O povo tem responsabilidades [nas actuais dificuldades]. Mas a verdade é que há quem tenha mais. A elite política e empresarial, pois claro! E a elite intelectual e universitária, sem dúvida. É a elite que organiza e inspira. Em teoria, as elites servem para isso: dirigir. Não para tornar o povo mais fraco, mas para dar o exemplo, para "puxar para cima". Não para serem elas próprias parasitas e complacentes, mas para melhorar os outros. Ora, as elites portuguesas não cumprem os seus deveres. Não só porque não protestam e não criticam. Mas também no desperdício e na demagogia. E porque, finalmente, são parasitas. A elite portuguesa é geralmente predadora e ignorante. Ainda na fase da "acumulação primitiva", tem um interesse predominante: usar o Estado. Pretende fazer deste sua criada de servir, sua tesouraria privada, a força de choque dos seus interesses e sua protecção e seguro de vida."

E, cereja em cima do bolo, o Euro favorece as elites.

sábado, julho 02, 2005

Paul Auster - A Música do Acaso

Jogaram na mesma sala onde fora servido o lanche. Uma grande mesa extensível tinha sido posta numa área aberta entre o sofá e as janelas e, quando viu aquela superfície de madeira vazia e as cadeiras sem ninguém colocadas à volta dela, Nashe compreendeu subitamente como aquilo era arriscado. Era a primeira vez que se confrontava seriamente com o que estava a fazer, e a força dessa consciencialização surgiu muito abruptamente - o pulso acelerou e a cabeça começou a latejar freneticamente. Pensou que estava prestes a apostar na sua vida naquela mesa e a insanidade desse risco encheu-o de uma espécie de terror. (p. 99)

Paul Auster, A Música do Acaso, Editorial Presença, 1997. Teriam os riscos sido subavaliados?
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