quarta-feira, agosto 31, 2005

Presidenciais de 2006 (II)

Mário Soares está na corrida presidencial. Cavaco Silva espera o dia certo para o anunciar.

Não me apetece votar em Mário Soares. Custa-me aceitar que um dos pais da democracia portuguesa contemporânea, combatente pela liberdade, ex-Primeiro-Ministro, ex-Presidente da República por dois mandatos, olhe para uma sala de amigos e camaradas, privando com essa gente há décadas, e não encontre uma pessoa em quem reconheça prestígio, pensamento e valores de esquerda, discernimento e capacidade, para liderar a sociedade portuguesa.

Cavaco Silva é o pai do monstro, que veio a encontrar na governação socialista. Com uma política do Escudo caro, consubstanciada numa valorização real e mesmo nominal da nossa moeda ao longo de uma década, com a aniquilação do mundo rural, com a proliferação de um ensino sem rumo, com a substituição da despesa privada pela pública, conseguiu o investimento em infraestruturas e a adesão à União Económica e Monetária (ao lado da Espanha...), mas empolou os nossos estrangulamentos estruturais. O rigor, a competência e a honestidade do Prof. Cavaco Silva poucas pontes trouxeram para o futuro.

E não há mais candidatos?

Os telemóveis...

...também são chamados de telefones celulares porque foram inventados para facilitar a vida dos presidiários, retidos em células prisionais.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Os incêndios (a contradição)

Somos demasiado ricos para aceitarmos trabalhos mal remunerados de limpeza das matas e das florestas. Mas somos demasiado pobres para podermos pagar aqueles trabalhos ("a mão de obra é muito dispendiosa").

E o trabalho comunitário, por amor à floresta e à vida que por lá há, nada nos diz.

domingo, agosto 28, 2005

Os acidentes de viação...

... estão mais bonitos, agora que as pessoas usam coletes reflectores.

quarta-feira, agosto 24, 2005

Companhias de "low cost" ou de "peak pricing"?

As companhias aéreas de "low cost" praticam uma racionalização de custos, que passa por explorar as linhas mais movimentadas, escolher criteriosamente os aeroportos servidos, restringir ou suprimir a oferta de restauração a bordo, etc. Mas sobretudo praticam uma política de preços nervosa, reagindo atentamente às quebras ou aos picos da procura.

Actualmente nas companhias de "low cost" uma viagem de ida e volta de Lisboa a Londres custa cerca de €350, sem as taxas de aeroporto. Acho que essas companhias poderiam ser chamadas de "peak pricing", por oposição às companhias de aviação com políticas de preços mais pastosas...

Adenda
Operam actualmente oito companhias de "low cost" no Aeroporto da Portela: Aer Lingus (voa para Dublin), Air Berlin (Palma de Maiorca), Centralwings (Colónia e Estugarda), Maersk Air (Copenhaga), Monarch (Londres), SAS Braathens (Oslo), Virgin Express (Bruxelas) e Vueling (Barcelona). A partir de 30 de Outubro a EasyJet também voará para a Portela.

segunda-feira, agosto 22, 2005

"Não é nossa responsabilidade!"

Junto ao portão da Santa Casa da Misericórdia - Departamento de Jogos, ao cimo do jardim de S. Pedro de Alcântara, ao Bairro Alto, foi plantado um pinheiro. Ao seu lado, outros pinheiros e jacarandás estão de boa saúde. Mas o pequeno pinheiro parece perecer com a canícula, seco, à míngua de água. Perguntei ao Segurança se não seria possível regar o pinheiro, que, com as suas jovens raízes, não deve encontrar água.

- Não é nossa responsabilidade, está fora das nossas instalações.

- Mas as senhoras da limpeza poderiam mandar uns baldes de água. A árvore morre de sede.

- Sim, ela já aí está há uns dois ou três meses, foi plantada pela Câmara. Realmente os pinheiros precisam de bastante água.

- Podia dar uma palavrinha às senhoras da limpeza.

-Está bem, falo com elas.

sábado, agosto 20, 2005

Um passeio

Para ir a pé de Berna até Friburgo são precisas seis horas. Nesta última cidade comprei meias, à cautela, e com o pacotinho fiz uma festinha na cabeça de uns garotos. (...)
Perguntei a um rapazote o caminho para Romont; ele olhou para os meus sapatos, como se quisesse certificar-se de que eram apropriados para caminhar.
"Até lá ainda é longe...", disse.
"Não faz mal", retorqui eu, e cheguei à praça da vila em quatro horas, comi queijo, bebi uns goles de vinho e fiz uma soneca. Antes de fechar os olhos, pensei na minha amada e senti-me feliz.
O caminho até Lausanne levou-me oito horas a percorrer. (...)
Antes de entrar em Lausanne cruzei-me com gente em pleno passeio dominical. Continuo a caminhar e em duas horas ponho-me em Morges, cuja igreja me causa uma boa impressão e cujas tabernas me parecem encantadoras.
Levo ainda duas horas a chegar a Rolle. Aqui chegado, debaixo de um arco, junto a um vendedor de castanhas e a um grupo de miúdos, enrolo um cigarro, entro na Tête Noir, uma hospedaria fundada já em 1628, que me parece asseada e respeitável.
Às oito horas da manhã, retomei a viagem. Passando junto a Nyon e a vários palacetes rurais, cheguei por volta das onze horas a Coppet, onde me presenteei com uma salada e um prato de carne. O dono da hospedaria, um sul-americano, fez-me todo o género de perguntas. (...)
Às três horas da tarde cheguei a Genebra (...).
Que pode uma pessoa fazer em Genebra? Todo o tipo de coisas! Entrar, por exemplo, numa pastelaria e perguntar se é permitido a uma pessoa saciar-se, de imediato, com todas aquelas guloseimas.
Visitar em seguida a parte antiga da cidade, levantar os olhos assombrados para contemplar as igrejas e pensar em Calvino. Uma placa de mármore lembra que aqui pregava outrora o escocês John Kox. (...)
No Hotel Schweizerhof encontrei ainda, e era já tarde, o desejado alojamento a preço módico. Fiz de comboio a viagem de volta, percorrendo em quatro horas e meia o caminho que, a pé, levara dois dias a fazer.

Robert Walser, A Rosa, Relógio d'Água, 2004 (edição original de 1925), pp. 19-22. Em linha recta Berna dista uns 120 kms. de Genebra...

quinta-feira, agosto 18, 2005

Os incêndios (a lei)

Segundo a Lei 14/04, de 8 de Maio, cabe a comissões municipais presididas pelo presidente da câmara, entre outras atribuições de prevenção e vigilância necessariamente locais, articular a actuação local dos organismos com competência em matéria de incêndios florestais, elaborar um plano de defesa da floresta, propor projectos de investimento a tal adequados, sinalizar as infra-estruturas de protecção da floresta, promover a criação de grupos de autodefesa dos aglomerados populacionais adjacentes a áreas florestais e dotá-los de meios de intervenção. (in "Fogo posto e descrença nas instituições", artigo de opinião de José Lebre de Freitas, Público, 18 de Agosto.)

E o que tem sido feito por essas Câmaras? A área florestal ardida este ano (114.517 ha) já excede a área ardida em 2004 (111.639 ha). Em 2003 arderam 371.637 hectares.

De acordo com a lei, o modelo de participação cívica das populações idealizado no post anterior deve ser organizado pelas Câmaras Municipais...

terça-feira, agosto 16, 2005

Os incêndios (fantasia estival)

O fogo lavra na Pampilhosa da Serra há vários dias, e continua por circunscrever e dominar. O presidente da Câmara, Hermano de Almeida, calcula que já dois terços do Concelho foram devorados pelo fogo. Centenas de bombeiros combatem o flagelo.

O que farão os bombeiros fora da época "quente"? Pachorrentamente jogarão à bisca, beberão umas cervejas, aguardando um ou outro pedido de socorro?

Claro que era impossível.

Era impossível que os soldados da paz se aplicassem na limpeza das matas - e que obtivessem uma remuneração com essa actividade. E que fossem enquadrados por técnicos do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas, e de organizações ambientalistas. E que o Sr. Hermano de Almeida aparecesse às vezes aos fins-de-semana para colaborar. E, com ele, os restantes funcionários camarários. E as suas famílias. E a restante população. E forasteiros, que tomariam conhecimento dessas actividades pelos familiares, pelos amigos, pelos jornais, pela Internet.

E tudo seria diferente.

Mas claro que é impossível.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Escolher... e depois alterar a decisão?!

Num concurso televisivo o concorrente é confrontado com 3 portas. Uma esconde um carro e as outras nada oferecem. O concorrente escolhe uma porta, o apresentador abre uma das outras portas preteridas, que nada tem. Restam agora duas portas por desvendar – uma delas será a premiada.

E o apresentador pergunta: quer alterar a porta que elegeu, ou mantém a escolha? Se o concorrente acertar fica com o carro...

O concorrente tem interesse em alterar a escolha inicial?

PS: Claro que este problema nada tem a ver com a escolha governamental de construir um aeroporto na Ota.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Luis Buñuel - Mon dernier soupir (III)

Uma outra vez janto na sala de refeições de São José, com o mesmo Alcoriza. Uma mulher muito bela e muito solitária senta-se numa mesa vizinha. Rapidamente, como é natural, os olhares de Luis dirigem-se para ela. Eu digo-lhe:

- Luis, sabes que estamos aqui para trabalhar e não gosto que percas tempo a olhar as mulheres.

- Sim, sei, responde-me ele. Desculpa.

Continuamos a refeição.

Um pouco mais tarde, na sobremesa, os seus olhares são de novo atraídos, irresistivelmente, pela bonita mulher solitária. Ele sorri-lhe - e ela devolve-lhe o sorriso.

Enfureço-me seriamente e recordo-lhe que estamos em São José para escrever um guião. Acrescento que a sua atitude de macho, de sedutor, não me agrada. Ele, por sua vez, zanga-se e diz-me que quando uma mulher lhe sorri, ele tem o dever masculino de lhe retribuir imediatamente o sorriso.

Zangado, abandono a mesa e retiro-me para o meu quarto.

Alcoriza acalma-se, termina a sobremesa e vai ao encontro da bela vizinha. Eles apresentam-se, tomam café juntos, falam um pouco. Depois Alcoriza conduz a sua conquista para o quarto, despe-a apaixonadamente e descobre estas quatro palavras tatuadas no seu ventre : cortesia de Luis Buñuel.

A mulher é uma elegante puta de México, que paguei a preço de ouro para viajar a São José e que seguiu fielmente as minhas instruções.

Claro está, as histórias da águia, como a da puta, são simplesmente devaneios anedóticos. Mas estou certo que Alcoriza teria sucumbido - pelo menos na segunda vez.

Luis Buñuel, Mon dernier soupir, Editions Robert Laffont, Paris, 1982, pp. 120,121.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Maria do Couto Maia (24/10/1890 - 25/07/2005)

A mulher mais velha de Portugal faleceu há dias, aos 114 anos, na casa onde nascera. Era a quarta mulher mais velha no ranking mundial. Sempre viveu na freguesia de Grijó, Gaia.

Aos 106 anos Maria ainda ajudava as netas a trabalhar a terra. Teve oito filhas, sete netos, dez bisnetos, cinco trinetos, e uma viuvez de mais de 50 anos.

Lembrava-se de ter visto o Rei D. Manuel II, "muito novinho e bonito" nas palavras recordadas pela sua filha Rosa, aquando da visita à fábrica de conservas de Brandão Gomes. Monárquica, veio a alimentar um ódio de morte a Afonso Costa, que expulsou as freiras que a tinham ensinado a ler. Apreciou Salazar, que pôs fim à sucessão rápida de governos a que o país assistiu. Não se importou com a substituição do escudo pelo euro: "o que muda é o nome, o dinheiro é sempre dinheiro". (Conforme o artigo de Sandra Silva Costa, "O coração de Maria deixou de bater aos 114 anos", Público, 31 de Julho de 2005.)

terça-feira, agosto 09, 2005

Luis Buñuel - Mon dernier soupir (II)

Os devaneios acordados são talvez tão importantes como os sonhos, igualmente imprevisíveis e fortes. (p. 118)

Em São José Purua, num dia em que trabalhava num cenário com Luis Alcoriza, nós descemos os dois até à borda do rio, levando uma espingarda. Chegados à borda da água, de repente, toquei no braço de Alcoriza e mostrei-lhe qualquer coisa, na outra margem, um fantástico pássaro pousado num ramo de árvore. Uma águia!

Luis pega na espingarda, faz apontaria e dispara. O pássaro cai nas folhagens. Luís atravessa o rio, molhando-se até aos ombros, separa as ramagens e encontra um pássaro embalsamado. Uma etiqueta presa a uma pata indica a loja onde eu o tinha comprado e o preço pago. (p. 120)

Luis Buñuel, Mon dernier soupir, Editions Robert Laffont, Paris, 1982.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Luis Buñuel - Mon dernier soupir

Durante o Verão, quando os espanhóis abandonavam a Residência para partirem de férias, chegavam professores americanos em grupos, acompanhados das suas mulheres, muito bonitas por vezes, que vinham melhorar o seu espanhol. Conferências e visitas eram organizadas para eles. Podia ler-se, por exemplo, no quadro de anúncios do hall: "Amanhã, visita de Toledo com Americo Castro."

Leu-se um dia: "Amanhã, visita do Prado com Luís Buñuel." Um grupo de americanos seguiu-me, sem desconfiar da partida, dando-me uma primeira impressão da inocência americana. Conduzindo-os pelas salas do museu, eu contava-lhes os maiores disparates, que Goya era um toureiro que mantinha relações funestas com a duquesa de Alba e que o quadro de Berruguete "Auto de fé" é um excelente quadro porque se podem contar cento e cinquenta personagens. E todos devemos saber que o valor de uma pintura resulta do número de personagens. Os americanos escutavam-me sérios, e alguns tomavam mesmo notas.

Houve, no entanto, algumas queixas ao director.

Luis Buñuel, Mon dernier soupir, Editions Robert Laffont, Paris, 1982, p.80.

quarta-feira, agosto 03, 2005

A Ota e o Rio Frio - a escolha de localização

José Pacheco Pereira reproduz no Abrupto declarações de Pedro Martins Barata, dando conta da exemplar divulgação e discussão pública do estudo das duas possibilidades de localização do controverso novo aeroporto de Lisboa, "(...) onde as mesmas foram analisadas sob todos os pontos de vista – capacidade aeronáutica, birdstriking, impactes na economia local e regional, emprego, impactes ambientais sobre a avifauna, etc…". Em 1998 a Quercus pôde então estabelecer uma preferência pela localização da Ota, embora a informação relativa à viabilidade financeira fosse "insuficiente".

Na altura os jornais divulgaram as conclusões dos estudos de impacto ambiental das duas localizações. Lembro-me que as limitações de Rio Frio eram imensas, e portanto não estranhava nada aos olhos de um leigo a opção da Quercus pela Ota. O que me pareceu estranhíssimo foi o Governo ter elegido essas duas localizações como alternativas. Como o Governo dispõe de um Ministério do Ambiente, e conhece a realidade do ordenamento do território nacional, pareceu-me inverosímil que não soubesse à partida que um estudo aprofundado de impacto ambiental iria seguramente chumbar a possibilidade do Rio Frio. Ou seja, fiquei com a impressão que o Rio Frio era uma falsa opção, e que servia apenas para credibilizar a escolha governamental da Ota.

Uma vantagem de participarmos na UEM é a necessidade acrescida de rigor financeiro. Já não temos as almofadas da taxa de inflação e da taxa de câmbio para ajudar a apascentar elefantes brancos, o que é traduzido pelas regras monetárias da Zona Euro. O silêncio sobre os projectos da OTA e do TGV mina a confiança da opinião pública.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Os elefantes brancos (II)

Miguel Beleza na sexta-feira passada num debate na SIC-Notícias sugeriu o seguinte exercício: dividir o número de passageiros que viajam diariamente por avião entre Lisboa e Madrid e dividir esse número pela lotação de um TGV. Ele alvitrava que poucos comboios seriam necessários para assegurar essas travessias (com o correspondente esvaziamento da ligação aérea...). Claro que falta somar o tráfego de passageiros por TGV para outros destinos além-Pirinéus, concorrendo assim com as ligações aéreas para esses destinos.

Num puro exercício especulativo, retomo a ideia de que a ligação Lisboa-Madrid (ou melhor, Lisboa-Badajoz) por TGV seria o único investimento de alta-velocidade necessário em Portugal. Ao desembarcar em Lisboa o viajante teria ligações por linha-férrea muito razoáveis com o resto do país. Mais importante seria talvez investir dinheiro nas ligações ferroviárias regionais.

Vital Moreira reagiu recentemente às críticas à expansão do TGV em Portugal, mostrando as más condições da Estação de Coimbra. Mas justamente o investimento numa rede nacional de TGV impede a despesa na reabilitação das estações e meios já existentes (suponho que não há dinheiro para tudo e mais alguma coisa).

Insistir no princípio do utilizador-pagador, sem cuidar do preço a pagar pelos serviços, soa a falacioso. Se porventura o preço a cobrar for proibitivo, a rentabilização (e funcionalidade!) dos equipamentos ficam irremediavelmente perdidas.

E quanto seria necessário investir mais para os Alfa-Pendulares finalmente cumprirem a viagem Lisboa-Porto no tempo que se apregoou aquando da sua compra e da melhoria da via-férrea? É tristemente irónico: nas carruagens a velocidade do comboio é indicada num visor por cima das portas de acesso às outras carruagens, registando por vezes velocidades superiores a 200 km/hora, mas a viagem lá continua a demorar as velhinhas 3 horas...
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