segunda-feira, outubro 31, 2005

Anthony Zimmer de Jérôme Salle

Este filme é desaconselhável ao Governo da Nação: o TGV Paris-Nice mergulha em lindas paisagens.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Sunrise - Aurora de Murnau

Nosferatu é talvez o mais erótico filme que jamais se fez. Tabu é talvez o filme máximo sobre os interditos e interstícios do desejo. Mas Sunrise é o único flme que pode servir de "compensação ao terror que a vida inspira" como dizia Henry Miller. Se ainda forem a tempo, vão ver o milagre absoluto acontecer neste filme de sombras e luz, que é talvez a maior bela história de amor, morte e ressurreição que qualquer arte foi capaz de me dar.

João Bénard da Costa, "Por falar em milagres", Público, 23 de Outubro de 2005. Aurora está em exibição no cinema Nimas, em Lisboa.

sábado, outubro 22, 2005

Equilíbrios financeiros

Este gráfico ilustra a procura (curva D) e a oferta (curva S) de fundos da Economia. Com controlo de capitais o equilíbrio interno ocorreria no ponto E, onde a procura de fundos dos agentes com necessidades de financiamento iguala a respectiva oferta. Como estamos integrados na UEM, as taxas de juro são determinadas num mercado mais vasto, e o equilíbrio E' ocorre com uma taxa de juro menor. Os movimentos de capitais permitem o acesso a mais fundos, e a uma taxa de juro mais baixa. Ouro sobre azul?

quarta-feira, outubro 19, 2005

OE 2006

Num ambiente de baixo crescimento económico, aumento do custo da energia, desemprego oculto na Administração Pública, o OE é um exercício difícil. O "princípio" do utilizador-pagador - ou seja, o pagamento a dobrar dos serviços públicos - espreita no horizonte. As receitas de privatização (GALP) aligeiram o exercício. As crises de penúria de divisas dos finais dos anos 70 e princípios de 80 foram substituídas pela crise do défice orçamental excessivo.

domingo, outubro 16, 2005

O tabu presidencial...

... de Cavaco Silva favorece o candidato. Ele comunicou-nos por telepatia a sua decisão, directamente, sem a intermediação da parafernália dos media, sem o circo das televisões. "Os portugueses já me conhecem, para mim, Portugal está primeiro."

sexta-feira, outubro 14, 2005

Cão como nós

Queria sempre estar connosco a sós. Ladrava ao carteiro, ao electricista, a quem quer que não fosse da casa. Cão exclusivista. Mas também actor. Quando havia visitas mudava de táctica. Com total perversidade, ele, que nunca prestava vassalagem a ninguém, escolhia uma vítima, aproximava-se devagar e encostava a cabeça a pedir festas, expressão de mágoa e súplica, como quem diz: "já que eles não mas fazem faça-mas você."

Teatro, puro teatro. Mas havia quem se deixasse levar. Uma amiga da casa chegou a dizer: "O cão anda triste, deve estar cheio de carências."

E ele enroscado na sala, a olhar de soslaio para nós, com ar de gozo.

Em momentos assim, até os meus filhos perdiam a cabeça. Então, quando as vítimas saíam, fechavam-no de castigo na cozinha. Causa perdida. Ele começava logo a uivar e a raspar.

(...)

- Fiteiro - disse eu numa dessas ocasiões.

-Como tu - retorquiu Joana, minha filha. - Tu também fazes fitas, pai, às vezes amuas para chamar a atenção ou para que a gente te dê mimos, o cão percebe isso tudo. E os manos fazem a mesma coisa. Até a mãe. O cão imita-nos a todos, tudo o que ele faz é para que se repare nele e se lhe dê mais carinho. Não é por ser cão que ele não tem sentimentos.

"Cão como nós", pensei. Mas preferi calar-me. A minha filha era igual a mim, igual ao cão, igual aos outros. Nunca se deixaria vencer ou convencer. Por isso não lhe dei troco. Por comodismo. Como o cão, quando se ralhava com ele e ele fazia a parte que não ouvia e continuava a dormir ou a fingir que dormia, enroscado na sala sobre si mesmo.


Manuel Alegre - Cão como nós, Círculo de leitores, 2003, pp. 37, 41.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Prémio Nobel da Economia

O Banco da Suécia atribuíu o prémio em memória de Alfred Nobel aos economistas Thomas Shelling e Robert Aumann. É mais um reconhecimento da importância da teoria dos jogos, na análise do comportamento estratégico dos agentes. Recentemente o estudo dos aspectos psicológicos da tomada de decisões tinha sido privilegiado com os laureados em 2002 Daniel Kahneman e Vernon L. Smith.

Encontramos uma boa discussão sobre os laureados no blog Revolução Marginal. Também podemos ler uma interessante entrevista com Aumann aqui. E, já agora, olhando para outros domínios da economia, aqui fica uma recente entrevista do "nobelizável" macroeconomista Thomas Sargent.

Recentemente o Instituto Piaget publicou um manual de microeconomia de Jacques Lesourne e André Orléan, baseado na teoria dos jogos evolucionistas, com o espalhafatoso título "A revolução da microeconomia evolucionista" (o original chama-se "Manuel d'économie évolutionniste"). Os contributos da teoria dos jogos já influenciam os estudos de microeconomia e de macroeconomia das licenciaturas.

terça-feira, outubro 11, 2005

Eleições...

Os autarcas sociais-democratas beneficiaram do desgaste do governo do Eng. Guterres em 2001, tendo encaixado uma vitória eleitoral. Entretanto o rápido raid governativo do PSD-PP deu lugar ao governo PS e às suas medidas "difíceis" - e os autarcas sociais-democratas tiveram novamente vento de feição em Outubro de 2005. Acresce que parte da "esquerda" não simpatiza com alguns protagonistas (Manuel Maria Carrilho, João Soares) e a bipolarização encarregou-se de gerar um voto "útil" nos candidatos do PSD.

O PSD tem agora uma oportunidade de ouro de fazer um bom trabalho. Tem tempo para desenvolver uma oposição credível.

Em 2009 oxalá que o PSD tenha um bom programa de governo para propôr ao eleitorado. Se assim for, poderá capitalizar a preferência do eleitorado, quer nas legislativas quer nas autárquicas desse ano.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Procura-se Alice

O primeiro filme de Marco Martins, "Procura-se Alice" (2005), faz lembrar de forma assustadora "Os verdes anos" (1963) de Paulo Rocha. Lisboa e as suas personagens surgem asfixiadoras. Uma indigência, um destroço, cavalga os dois filmes. A fatalidade é o nosso fado.

terça-feira, outubro 04, 2005

"Como era óbvio..."

"... a greve dos magistrados e funcionários judiciais só tem a ver com a defesa dos privilégios de que hoje gozam, alguns dos quais o Governo decidiu extinguir, por razões de equidade social e de solidariedade no esforço de equilíbrio das finanças públicas -- nomeadamente o sistema privativo de saúde, que custa aos utentes da justiça 15 milhões de euros por ano --, mas de que os magistrados não querem abdicar.", escreve Vital Moreira.

Mas... Há vinte anos qual era relação entre o estatuto remuneratório do Governador do Banco de Portugal e o dos juízes? E hoje? E entre o dos gestores públicos e o dos juízes? Têm-se mantido estáveis estas correspondências?

Um dos intervenientes no debate do Prós & Contras de ontem lembrava que a independência do poder judicial não inclui a definição das suas remunerações, como se passa noutras paragens da Administração Pública "alargada". Onde está a moralidade?

A Colónia Penal de Cabo Verde

[Les places numérotées sont réservées aux mutilés de guerre, aux aveugles civils, aux invalides du travail et infirmes civils, aux femmes enceintes et aux personnes accompagnées d’enfants âgés de moins de quatre ans.]

A memória do Tarrafal, o campo de concentração da morte lenta da ilha de Santiago, Cabo Verde, foi ontem lembrada pelo Presidente da República ao participar na cerimónia de homenagem aos 32 portugueses que ali pereceram. Foi a primeira vez que um Chefe de Estado participou na homenagem anual da União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses dedicada aos tarrafalistas.

Edmundo Pedro, Joaquim de Sousa Teixeira, José Barata Júnior, Josué Martins Romão e Sérgio Vilarigues são os cinco sobreviventes ainda vivos. Edmundo Pedro foi preso com 17 anos, por ser militante comunista. A "colónia penal" funcionou entre 1936 e 1954. O Estado Novo tratou da destruição da "frigideira", onde numa pequena cela fechada, erguida no pátio, os presos eram torturados pelo calor e pela sede.

"Aos que na longa noite do fascismo foram portadores da chama da liberdade e pela liberdade morreram no campo de concentração do Tarrafal", assim reza a inscrição do Mausoléu das Vítimas do Tarrafal, erigido no cemitério do Alto de São João em Lisboa.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Eclipse (II)

O eclipse em Lisboa reduziu o sol a uma fatia de melancia. E notável foi mesmo a luz: a luminosidade forte de uma manhã sem núvens apareceu estranhamente diminuída. A rua parecia uma sala escura iluminada com uma lâmpada de halogénio, cuja luminosidade se espraia escassamente.

sábado, outubro 01, 2005

Fátima Felgueiras, a justiça e o voto popular

O regresso de Fátima Felgueiras e a sua recandidatura à Câmara de Felgueiras fizeram correr rios de tinta na imprensa. Até li um texto de direito de resposta daquela autarca, que ocupou uma página ímpar no jornal Público de ontem.

Ainda não percebi uma coisa – por que razão durante os últimos dois anos e meio em que Fátima Felgueiras esteve foragida no Brasil não ocorreu o seu julgamento.

Os eleitores vão ser chamados às urnas sob um ambiente incompreensível de suspeição. Como é que um paisano poderá votar?! A instrução do processo, o cruzamento das provas da acusação com os correspondentes argumentos da defesa, a produção da sentença de acordo com as leis do país, a avaliação do eventual recurso – se isso não foi feito pela justiça, caberá a cada eleitor fazê-lo?!

Muitos eleitores presumirão, em consciência, que a sua autarca é inocente das diversas acusações. E, confiando no seu trabalho, votarão nela. Provavelmente ela é uma boa autarca – pelo menos é pragmática. Utilizou a dupla nacionalidade para residir no Brasil, não incorrendo numa extradição para o nosso país. E, amargamente, até parece que teve a razão do seu lado: durante estes 2,5 anos não aconteceu o julgamento e ela continua com os direitos políticos necessários a uma recandidatura camarária. E, claro, talvez aconteça um cenário semelhante ao de Costa Freire que foi condenado, mas o exercício de diversos recursos culminou com a decisão de repetir o julgamento, sendo que, entretanto, o caso tinha prescrito.

A justiça ainda não funcionou no caso de Fátima Felgueiras. E isso fragiliza o poder judicial e o poder político.
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