terça-feira, maio 30, 2006

O 28 de Maio, a ditadura, a não-inscrição

O Golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 derrubou o Governo de António Maria da Silva do Partido Democrata (facção maioritária do Partido Republicano Português, PRP) e instaurou uma ditadura militar, que foi institucionalizada posteriormente pelo Estado Novo de Oliveira Salazar, assente no partido único a União Nacional, que surge em 1930. "Havia uma crise de legitimidade dos governos do PRP, que se conjuga com a crise económica e social que o país vivia desde o início dos anos 20, agudizada pela crise internacional de 1921 e pela crise de revalorização do Escudo, a qual teve um preço económico e social muito alto, em termos de falências, de desemprego", refere Fernando Rosas num artigo de Isabel Braga do jornal Público ("O 28 de Maio foi feito contra a "balbúrdia" da República, não para criar o Estado Novo", 28 de Maio de 2006). Em Junho de 1926 Salazar é convidado por Mendes Cabeçadas para a pasta das Finanças, mas o seu tempo ainda não tinha chegado - percebendo que os chefes militares fraquejavam, ao fim de 13 dias abandonou o Governo e regressou a Coimbra. Em 1928 o General Carmona é candidato único às eleições presidenciais, o Coronel Vicente de Freitas é nomeado chefe do Governo e Salazar fica com a pasta das Finanças (Abril de 1928). Num ano equilibrou as contas públicas, com a redução dos salários dos funcionários públicos. Em 1932 Salazar é nomeado Presidente do Conselho de Ministros.

Salazar concentra em si o poder, acumulando as pastas da Guerra, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças... E raramente convocava Conselhos de Ministros - a pluraridade, a discussão, o confronto, eram valores inimigos, mesmo no seio do poder. Enfim, valores politiqueiros. Nas palavras de Fernando Rosas, "só excepcionalmente, em momentos cruciais, ele convocava o Conselho de Ministros. Fê-lo para conceder a base dos Açores aos americanos, para decidir a adesão à NATO e para fazer o balanço do fim da guerra".

E hoje temos a reflexão da não-inscrição de José Gil, relativamente ao período de 48 anos de autoritarismo.

Não houve julgamentos de Pides nem de responsáveis do antigo regime. Pelo contrário, um imenso perdão recobriu com um véu a realidade repressiva, castradora, humilhante de onde provínhamos. Como se a exaltação afirmativa da «Revolução» pudesse varrer, de uma penada, esse passado negro. Assim se obliterou das consciências e da vida a guerra colonial, as vexações, os crimes, a cultura do medo e da pequenez medíocre que o salazarismo engendrou. Mas não se constrói um «branco» (psíquico ou histórico), não se elimina o real e as forças que o produzem, sem que reapareçam aqui e ali, os mesmos ou outros estigmas que testemunham o que se quis apagar e que insiste em permanecer.

Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso.

Num outro aspecto ainda, a não-inscrição parece mais grave por não se ter liquidado a si própria, já que a herdámos também do salazarismo.

Se, num certo sentido, se disse até há pouco (hoje diz-se menos) que «nada mudou» apesar das liberdades conquistadas, é porque muito se herdou e se mantém das antigas inércias e mentalidades da época da ditadura: desde o medo, que sobrevive com outras formas, à «irresponsabilidade» que predomina ainda nos comportamentos dos portugueses. Com efeito, no tempo de Salazar «nada acontecia» por excelência. Atolada num mal difuso e omnipresente, a existência individual não chegava sequer a vir à tona da vida. E o que era uma vida, nesse tempo? Aquilo que ditava o ideal moral do salazarismo: uma sucessão de actos obscuros, com tanto mais valor quanto se faziam modestos, humildes, despercebidos… Onde inscrevê-los, se não havia espaço público e tempo colectivo visíveis; onde, senão na eternidade muda das almas, segundo a visão católica própria de Salazar?

Nisso, como em tantos outros aspectos, o Portugal de hoje prolonga o antigo regime. A não-inscrição não data de agora, é um velho hábito que vem sobretudo da recusa imposta ao indivíduo de se inscrever. Porque inscrever implica acção, afirmação, decisão com as quais o indivíduo conquista autonomia e sentido para a sua existência. Foi o salazarismo que nos ensinou a irresponsabilidade – reduzindo-nos a crianças, crianças grandes, adultos infantilizados.
José Gil, "Portugal, hoje. O medo de existir", Relógio d’Água, Lisboa, 2004.

sábado, maio 27, 2006

Loucuras de Brooklyn

Já está disponível em português o último (ou penúltimo!) livro de Paul Auster. A obra lê-se numa meia dúzia de horas quase ininterruptas. É um bom contrapeso ao anterior livro "A música do acaso", pelo optimismo que deixa no ar. A fluidez da escrita de Auster faz-me sempre pensar em Stefan Zweig.

Adenda: Paul Auster acaba de ganhar o prémio atribuido anualmente pela Fundação Príncipe das Astúrias, na sequência da brasileira Nélida Piñon em 2005. Paul Auster, Philip Roth e Amos Oz foram os finalistas deste ano do galardão. «"Este é um prémio de muito prestígio, reconhecido mesmo na América." Para sublinhar a importância que atribui ao Príncipe das Astúrias (com um valor monetário de 50 mil euros, a entregar em Outubro), o autor apontou a lista de candidatos. "São todos grandes escritores." Alguns seus "velhos conhecidos", como o turco Orhan Pamuk. Há ainda "o excelente" Philip Roth, a indiana Arundhati Roy... Nomes que vai atirando de cor e aos quais não poupa elogios. Sobre António Lobo Antunes, o português a concurso, "ainda não o conheço", disse.» (citação de DN online). Ontem (31 de Maio) o autor deu uma conferência de imprensa nas Azenhas do Mar, visto que se encontra em Portugal a rodar The Inner Life of Martin Frost, que surge n'O Livro das Ilusões. No site da Fundação lê-se «Considerado uno de los escritores estadounidenses más reconocidos y admirados universalmente de su generación, Paul Auster ha creado un universo literario en torno al azar y la búsqueda de la identidad donde realidad y fantasía invaden los espacios cotidianos del hombre.»

Clientela, funcionários, dinheiro

Jack Welch deu uma entrevista a Sérgio Figueiredo, director do Jornal de Negócios, que passou ontem no segundo canal. A dado momento Welch referiu-se aos 3 grandes factores de sucesso empresarial: a clientela, o empenho dos funcionários e a geração de lucros. A clientela deve sentir-se feliz por contar connosco, por nos ter como fornecedores; o sucesso dos clientes é a garantia do nosso êxito. Os funcionários devem buy a empresa (buy foi traduzido por acreditar); não importa se eles estão felizes com o seu lugar de estacionamento no parque automóvel da empresa, mas se acreditam na qualidade dos produtos e nos serviços da empresa - se se esforçam por melhorar o resultado final. Também não interessa manter postos de trabalho que não acrescentam valor, que apenas servem para add data, ou seja, providenciarem indicadores e mais indicadores irrelevantes para inovar e garantirem a satisfação da clientela. Com lucros é possível expandir-se a actividade, comprar novas empresas, garantir um lugar ao sol. Foi bastante interessante a entrevista.

quarta-feira, maio 17, 2006

A Eurolândia expande-se

A Eslovénia deverá adoptar o Euro no próximo ano, sendo o 13º país a fazê-lo e o primeiro dos dez países que em 2004 aderiram à UE. A Eslovénia é o país mais rico da antiga Jugoslávia e cumpre plenamente os critérios de Maastricht com uma inflação abaixo da referência actual de 2,6%, um défice orçamental de 1,8% do PIB e uma dívida pública de 29% do PIB, muito abaixo do tecto dos 60% do PIB. A admissão da Lituânia, por seu lado, foi adiada, por ter actualmente uma inflação ligeiramente superior à referência.

sexta-feira, maio 12, 2006

A reforma da Segurança Social

Estão em discussão pública as linhas gerais de reforma da Segurança Social, com vista a assegurar a solvabilidade do sistema nas próximas décadas. São conhecidas algumas propostas do governo: a alteração da regra de cálculo das pensões, passando-se a considerar toda a carreira contributiva do beneficiário e não apenas os últimos 15 anos, o ligeiro aumento da idade da reforma (que pode ser evitado através de um aumento da taxa de desconto para a Segurança Social) e o relativo agravamento dos encargos para os beneficiários sem filhos.

Parece-me que a discussão tem incidido pouco sobre a alteração da regra de cálculo. Claro que ela tem o mérito de incentivar a ética contributiva, visto que o forcing contributivo dos últimos anos da vida activa perde eficácia. Mas, ao mesmo tempo, a alteração da regra vai gerar uma significativa redução do valor das reformas.

As novas regras fazem baixar o valor das reformas pelo efeito conjugado de 2 âncoras. Por um lado é dado peso às contribuições iniciais do beneficiário - o que o prejudica se ele ao longo da sua carreira activa contou com um aumento (real) dos seus rendimentos laborais, tendo começado com rendimentos relativamente baixos. Uma segunda âncora resulta da corrosão monetária. Mesmo com uma inflação baixa (digamos de 2%), 100 Euros hoje não têm o mesmo valor de 100 Euros daqui a 10 ou 20 anos - portanto se o cálculo da reforma não incluir uma correcção monetária, o valor da reforma ressente-se. Não sei o que está previsto relativamente a esta matéria.

Suponhamos um contribuinte que mantém sempre o mesmo salário real ao longo das quatro décadas da sua vida activa (atribuamos-lhe o valor de 1). Admitindo que ao longo dos próximos quarenta anos a inflação anual era de 2%, o nosso contribuinte receberia um último salário de 2,20, com o mesmo valor real do seu primeiro salário, auferido quatro décadas atrás. Nesse momento ele reforma-se e, com as actuais regras, passaria a contar com uma pensão de 2,00. Ora, com as novas regras e sem a correcção monetária, ele apenas poderia contar com uma reforma de 1,52 - o que corresponde a uma redução de 24%, apenas devida à âncora monetária...

Atentando no quadro verifica-se que um beneficiário com uma progressão moderada do seu salário real vai sofrer uma perda na sua reforma na ordem dos 30%, com a alteração das regras de cálculo - tendo uma reforma de 2,30 quando o seu último salário foi de 4,41 (admitindo a ausência de correcção monetária).

Em jeito de conclusão podemos fazer duas observações.

A alteração da regra de cálculo vai tornar (subrepticiamente) o sistema mais progressivo. Um contribuinte com uma bela carreira contributiva, que termine com um salário de 22,04, tendo começado com o salário de 1, poderia contar anteriormente com uma reforma de 15,39 e agora, com as novas regras, apenas terá 6,81 - ou seja menos de um terço do seu último salário. É caso para dizer que o Governo está em linha com as preocupações do Presidente com as desigualdades sociais...

A transição das antigas para as novas regras vai ser progressiva e lenta. Isto significa que os activos que estão agora a começar a sua vida laboral vão ter pela frente o encargo das reformas ainda "gordas", ao passo que, quando se reformarem, já irão receber as novas reformas "magras". Talvez a justiça intergeracional obrigasse a um ajustamento mais rápido do valor das reformas.
Blog Trashed by Mandarin