A ironia e o humor
(...)
O húmor é de outra estripe. O humor puro não vem de ninguém e não visa ninguém. Visa, sim, as várias figuras do Eu com que nos protegemos, para as dissolver e dela[s] nos libertar. O humor desfaz significações, sentidos constituídos, joga com a equivocidade das palavras, opõe um enunciado a um outro criando um não-sentido que resulta de um excesso que equivale a uma privação. (...) O humor dá a volta à seriedade, ao espírito da gravidade, opõe sem opor, desliza, desfaz sombras e abismos, dança, cria paradoxos. Recusa os grandes Valores e Profundidade irónicas (do espírito e do corpo: digestiva, anal, excremencial), transformando-os em matéria de superfície ou contornos de vazio. Os povos (quando havia povos) e as crianças não conhecem a ironia, mas divertem-se imenso com os ditos humorísticos.
José Gil, "O Estado da Nação", revista Visão, 27 de Julho de 2006.