segunda-feira, julho 31, 2006

A ironia e o humor

A ironia convém à cultura do sério e da profundidade. Não há ironia sem crueldade, porque ela visa o indivíduo nos seus valores, mostrando como ele os traiu ou esqueceu. Por natureza, a ironia vem do fundo pulsional de quem dela faz uso, e atinge o interior moral ou ontológico da sua vítima. Nesse sentido, a dor que provoca vem da culpa e da vergonha. Tende a reforçar as figuras do Eu e da Pessoa, tanto no sujeito irónico como no seu alvo. É, pois, um jogo retórico falsamente lúdico. Sob a sua aparente leveza, descobre-se um peso insuportável que, ao cair, estraga, destroça e destroi a Pessoa moral.
(...)
O húmor é de outra estripe. O humor puro não vem de ninguém e não visa ninguém. Visa, sim, as várias figuras do Eu com que nos protegemos, para as dissolver e dela[s] nos libertar. O humor desfaz significações, sentidos constituídos, joga com a equivocidade das palavras, opõe um enunciado a um outro criando um não-sentido que resulta de um excesso que equivale a uma privação. (...) O humor dá a volta à seriedade, ao espírito da gravidade, opõe sem opor, desliza, desfaz sombras e abismos, dança, cria paradoxos. Recusa os grandes Valores e Profundidade irónicas (do espírito e do corpo: digestiva, anal, excremencial), transformando-os em matéria de superfície ou contornos de vazio. Os povos (quando havia povos) e as crianças não conhecem a ironia, mas divertem-se imenso com os ditos humorísticos.


José Gil, "O Estado da Nação", revista Visão, 27 de Julho de 2006.

sexta-feira, julho 28, 2006

Há um cão que gane

Há um cão que gane num prédio das traseiras. Deve estar fechado e ansioso. Ladra e gane. Chama pelos donos, se calhar está de castigo. Ou os donos foram à vida e o cão está para ali "confitado" à cozinha. Ou a algum quarto. Os gatos aguentam sem sarilhos. Mas também podem passar-se. De toda a criação elegemos o cão e o gato para mamíferos de companhia. Se bem que no fim-de-semana conheci uns hamsters. Peguei num dos ratos e ele subia pelo braço. Era macio. Sentia as suas unhinhas a arranhar-me a pele. Mexia imenso a cabeça, talvez ao sabor dos pensamentos. Passado um bocado começou a mordiscar-me, como se estivesse amigavelmente a catar-me. Achei que poderia ser um aviso e sugeri que o voltassem a pôr na gaiola.

quinta-feira, julho 27, 2006

Aferição ou ficção?

Joãozinho - Estou nervoso, só faltam 4 dias para o Exame de Matemática!
"Oteupai" - Então?! É só uma Prova de Aferição, não conta para a nota da disciplina, é mais para avaliar se a professora anda a ensinar bem.
- Conta sim, porque a setôra vai fazer uma correcção narrativa.
- Correcção narrativa?...
- No teste desta semana tive 15 e a média da turma foi 11. Se a média da turma no Exame for só de 9,5, cada aluno recebe um bónus de 1,5 valores e a nota depois de corrigida também conta. "Vocês estão safos em média, mas cada um tem de fazer por si", foi o que a setôra disse.
- Ela disse isso?
- Sim, e acrescentou que a partir do 9º ano já não há bónus e que é mesmo a doer se nos portarmos mal nos exames. Agora temos direito à correcção narrativa.
- Correcção estatística! É uma correcção estatística.
- Sim, é isso mesmo.
- E se a média na Prova de Aferição for superior a 11?
- Nesse caso não é preciso fazer nenhuma correcção estatística e a setôra disse que a turma vai estar de parabéns. É já na quarta-feira...
- Ora, basta reveres a matéria e o exame há-de correr bem.

quarta-feira, julho 26, 2006

Espiritualidades

"Perdoar - A melhor de todas as curas", "Quando o amanhã chegar", "Corpo, mente e espírito - na gravidez e no parto", Homens: nem machos, nem mansos, nem tansos", "Não há mal que sempre dure... nem mulher que lhe resista", "O cavaleiro da armadura enferrujada", "Amar é libertar-se do medo", "7 passos para dar a volta por cima", "Pensamentos de Paulo Coelho", "A alma iluminada", "Astrologia Xamânica", "Voando como a Águia: a inteligência espiritual como factor de mudança", "Os astros comandam o amor", "Conversas com Deus". Nos escaparates de uma livraria perto de si.

sábado, julho 22, 2006

A guerra

Quando lemos Esther Mucznik no Público somos tocados por uma percepção: Israel é o bom da fita (bom mas não parvo). Maus são os outros. E a cada momento cada um dos contendores encarna o papel dos outros dos outros. Será exactamente isso que se passa em cada guerra?...

Adenda
O colunista Akiva Eldar (jornal Haaretz) escrevia no início do conflito:
The Israeli government, as is its wont, has climbed a tall tree, and is becoming entrenched there in total opposition to its own interests. It insists that first the soldier be released, and afterward we will hold our fire, and perhaps will agree to talk about the release of prisoners. The Palestinians, as is their wont, are climbing up after their neighbors. They are demanding that Israel first hold fire and agree to release prisoners, and then they will release Shalit and stop firing Qassam rockets.

Dr. Mustafa Mazini, a lecturer in the natural sciences department of the Islamic University and the son-in-law of assassinated Hamas spiritual leader Ahmed Yassin, this week suggested a ladder that will allow everyone to climb down from their trees. In an interview on the Hamas Web site, Mazini suggested counting to three together - and carrying out a deal simultaneously. It's such an obvious solution that there is no chance that the Israeli government will adopt it. After all, this is a matter of "Israel's power of deterrence." But that power was lost along with the decision that was made to withdraw from Gaza without an agreement, so what remains is the prestige of a handful of politicians and the honor of a gang of generals.

quinta-feira, julho 20, 2006

Filantropia americana

O sentido de responsabilidade social dos que têm possibilidades económicas é muito mais desenvolvido [na América do] que na Europa. Todos consideram absolutamente natural o facto de porem uma grande parte da sua riqueza e até, frequentemente, da sua actividade ao serviço da colectividade. A opinião pública (tão poderosa!) exige-lhes isso imperativamente. Assim, acontece que as mais importantes funções culturais podem ser entregues à iniciativa particular pois que o papel do Estado é, neste país, relativamente limitado.

Albert Einstein, As minhas primeiras impressões na América do Norte (1931) in Como vejo o mundo, ENP, Lisboa, 1961 (existe uma edição recente desta obra disponível nas livrarias).

domingo, julho 16, 2006

Há qualquer coisa de absurdo...

... no facto dos filhos do Primeiro-Ministro estudarem em colégios privados. Bem sei que a autoridade paterna deve ser exercida sem hipocrisias, e portanto ainda seria pior que o PM preterisse o ensino privado apenas por respeito das conveniências. Mas, de qualquer maneira, lá que há qualquer coisa de absurdo há.

sábado, julho 15, 2006

A época dos fogos (II)

Vasco Pulido Valente tem um pinhal junto a Magoito, Sintra, que herdou dos pais. Na crónica de ontem do Público dá-nos conta da sua dificuldade em "limpar" o terreno - a actividade de desmatação não aparece nas páginas amarelas, e os Bombeiros de Sintra e a Protecção Civil recusaram-se a dar uma lista de profissionais que pudessem ser contactados. Pulido Valente termina assim o artigo:

Por portas travessas, com muitos telefonemas, muitas súplicas, muito choradinho, consegui enfim desencantar um perito. O homem examinou o pinhal e declarou o pinhal "uma vergonha": mato cerrado, pinheiros mortos, ramos de pinheiros secos, metros de caruma e centenas de acácias (salvo o erro), uma planta aparentemente perigosíssima. Quanto ao preço, ia desmaiando. Paguei a meias com a minha irmã e vamos com certeza pagar mais, para a "vergonha" não voltar. O raio do pinhal, um pinhal pequeno, não rende um cêntimo e, de qualquer maneira, mesmo limpo, pode muito bem arder. E quem tem no mísero Portugal interior dinheiro para "limpar" pinhais?

E aqui temos dois dos três falhanços florestais aludidos no post anterior, além do espectro do terceiro. Por memória, três posts sobre incêndios escritos no ano passado: aqui, aqui e aqui.

quinta-feira, julho 13, 2006

A época dos fogos

Já estamos em plena época de fogos. Passei pela Fnac e assisti a uma parte do lançamento do último livro de Pedro Almeida Vieira, que denuncia o discurso fatalista oficial das temperaturas elevadas e do despovoamento rural. Mas acabei por ficar com a ideia que são mesmo uma fatalidade os fogos - falha a defesa profissional da floresta, falha a respectiva exploração económica, e falha o combate aos incêndios. O eucalipto perdeu valor, a resina fica nos pinheiros desaproveitada e os fogos talvez tragam uma reflorestação mais tradicional.

Argentina: o terramoto de 2001-02 (II)

O défice persistente nas contas externas argentinas, aliado ao dólar caro, atiçou os especuladores que começaram a vender pesos contra dólares, confiando que mais dia menos dia a taxa de câmbio fixa do peso teria de ser abandonada. Os especuladores acertaram. O banco central argentino abandonou a paridade fixa, o peso desvalorizou brutalmente, teve um pequeno overshooting, e a divisa parece que encontrou um novo estado estacionário. Os especuladores precipitaram o inevitável?

terça-feira, julho 11, 2006

Hotmail, Gmail, a concorrência

O Hotmail fez recentemente um upgrade das suas caixas de correio gratuitas - passaram de uma memória de 1 MB para 25 MB. O Gmail propõe caixas de correio gratuitas com mais de 2 GB. A concorrência trouxe benefícios para o consumidor. Indo ao encontro das preocupações do Ministro Manuel Pinho ao autorizar o aumento da posição da Brisa na Auto-Estradas do Atlântico, esperemos que esta concorrência não tenha posto em perigo os "interesses fundamentais" da economia americana.

domingo, julho 09, 2006

Jan Siberechts - Gabinete de amador de arte

Em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa. As obras do médico e filantropo Dr. Gustav Rau podem ser apreciadas no MNAA até 17 de Setembro.

sábado, julho 08, 2006

Mundial

Fogo

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